Brincadeiras, jogos e danças na Idade Média
Idade Média e as práticas corporais
Segundo os historiadores a Idade Média se dá com a queda do Império Romano com a invasão dos Bárbaros por toda a Europa. Inicia-se então uma ampla disputa de territórios e também o que alguns se arriscam chamar de um processo de mercantilização. Em virtude de várias atrocidades ocorridas durante tais disputas, percebe-se um aumento na crença do cristianismo e com ele a Teologia cristã. Tal crença prega uma acentuada valorização de aspectos espirituais em detrimento aos desejos corporais. Acreditava-se então que pessoas que nasciam com deficiências físicas eram enviadas por espíritos malignos e assim sendo, deviam ser excluídas do convívio social. Eram considerados hereges todos aqueles/as que tentavam aproximações com tais pessoas. O movimento da Inquisição, por meio do Santo Oficio, perseguiu e aprisionou centenas de pessoas por toda a Europa. Em virtude dessas crenças as práticas corporais nesse período foram diretamente impactadas.
Danças
“Durante a Idade Média, aproximadamente do século V até o século XIV, o cristianismo tornou-se a força mais influente na Europa. Foram proibidas as danças teatrais, por representantes da Igreja, pois algumas delas apresentavam movimentos muito sensuais. Mas os dançarinos ambulantes continuaram a se apresentar nas feiras e aldeias mantendo a dança teatral viva. Em torno do século XIV, as associações de artesãos promoviam a representação de elaboradas peças religiosas, nas quais a dança era uma das partes mais populares. Quando ocorreu a peste negra, uma epidemia que causou a morte de um quarto da população, o povo cantava e dançava freneticamente nos cemitérios; eles acreditavam que essas encenações afastavam os demônios e impediam que os mortos saíssem dos túmulos e espalhassem a doença. Isto ocorreu no século XIV. Durante toda a Idade Média, os europeus continuaram a festejar casamentos, feriados e outras ocasiões festivas com danças folclóricas, como a dança da corrente, que começou com os camponeses e foi adotada pela nobreza, numa forma mais requintada, sendo chamada de carola. No final da Idade Média a dança tornou-se parte de todos os acontecimentos festivos.
A Renascença, que começou na Itália em torno de 1300 e espalhou-se por quase toda a Europa, por volta de 1600, foi um período de grande desenvolvimento cultural. Na Itália, os nobres contratavam mestres de dança profissionais para criar espetáculos de corte que incluíam danças chamadas balli ou balletti. Compositores importantes compunham a música e artistas de grande talento, inclusive Leonardo da Vinci, criavam as roupas e efeitos especiais, para os membros da corte poderem oferecer espetáculos uns aos outros. Catarina de Médicis, membro da família que governava Florença, na Itália, tornou-se rainha da França em 1547,e levou para a corte francesa a dança e os espetáculos italianos. Para um casamento real em 1581, Catarina contratou um grupo de artistas italianos para ir a Paris e criar o magnífico Balé Cômico da Rainha, que pode ser considerado a primeira forma de balé. Ela foi muito imitada em toda a Europa. Além de produzir espetáculos, os mestres de dança ensinavam danças sociais à nobreza como, por exemplo, a saltitante galharda, a solene pavana e a alegre volta. A dança tinha também um significado filosófico durante a Renascença: muitas pessoas acreditavam que a harmonia de movimentos da dança refletia a harmonia no governo, na natureza e no universo. O Rei Luís XIV da França, que viveu de 1638 a 1715, incentivou muito o desenvolvimento do balé. Seu apoio às artes tornou a França, o centro cultural da Europa. Ele próprio dançou entusiasticamente, durante 20 anos, nos balés da corte. Um dos seus papéis favoritos, o de Apolo, deus grego do sol, deu-lhe o apelido famoso de "Rei Sol".
Em seu reinado, o balé veio a ter seus próprios intérpretes profissionais e a seguir um sistema formal de movimentos. Aos poucos, os bailarinos foram se transferindo da corte para ao teatro. O teatro tinha um arco de proscênio, que emoldurava o palco e os separava do público”.
Jogos e Brincadeiras
Cadernos de História da Educação - nº. 4 - jan./dez. 2005 47
Hoje em dia, o fato de que a infância deve ser a idade para a criança brincar, ir à escola e ser educada, parece-nos inquestionável. Entretanto, o conceito de infância não existiu sempre e da mesma maneira, como demonstra Philippe Ariès, no clássico História social da criança e da família. Para esse autor, o mundo medieval ignorava a infância. Não existia qualquer sentimento de infância, “a consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem” (ARIÈS, 1981, p. 154). No momento em que a criança conseguia sobreviver sem os cuidados da
mãe ou da ama, ela era integrada ao mundo dos adultos. Juntos aprendiam a brincar, a jogar e a arte de um ofício. A sociedade medieval representava a crianças como adultos em miniatura.
A “descoberta” do sentimento de infância ocorreu entre os séculos XV e XVIII, quando se
reconheceu que as crianças necessitavam de tratamento especial, uma espécie de “quarentena” – escolarização, antes de ingressar no mundo dos adultos.
Recorrendo aos diários de Jean Héroard, médico do delfim da França, no início do século XVII, Áries (1981) e Manson (2002) evidenciam como eram as brincadeiras e a que períodos do desenvolvimento físico e mental cada uma delas correspondia. Assim, Luis XIII brincava com os brinquedos habituais das crianças pequeninas: cavalo de pau, cata-vento, e peão. Com um ano e cinco meses, o menino jogava “malha e pela”, jogo que, nos dias de hoje, poderia ser comparado ao de golfe e críquete. Nessa mesma idade, aprendeu a tocar violino, a cantar e a dançar, o que revela a importância da música e da dança na educação dos meninos naquela época.
Em torno de 1600, a especialização das brincadeiras restringia-se à primeira infância; após os três ou quatro anos, ela desaparecia. “A partir dessa idade, a criança jogava os mesmos jogos e participava das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre crianças, quer misturada aos adultos” (ARIÈS, ibidem, p.92).
No século XVIII, as atividades lúdicas dos adultos não apresentavam distinção em relação às desenvolvidas pela criança, compartilhavam dos mesmos jogos e brinquedos, inclusive com a presença ativa dos pequenos nas festas tradicionais e sazonais, das quais participava toda a comunidade, como o Natal, registrado por Héroard. Luis XIII, aos três anos, “viu a acha de Natal ser acesa, e dançou e cantou pela chegada do Natal” (ARIÈS, ibid., p. 97); na comemoração no dia de Reis, era uma criança que distribuía o bolo de Reis a todos os participantes e, segundo Héroard, a 5 de janeiro de 1697, o delfim foi
“Rei pela primeira vez”; na festa de São João, cabia às crianças pequenas acenderem a fogueira; na festa da Terça-feira Gorda , as crianças e a juventude traziam seus galos de briga. Homens, mulheres e crianças brincavam de cabra-cega, guerra de bolas de neve, jogos de salão, como o de rima e o de mímica, ouviam os contos de fantasmas, lobisomens e do Barba Azul, diante dos quais as crianças ficavam apavoradas. Mme de Murat, ao discorrer sobre as fadas modernas, no final do século XVII, apresenta uma nova sensibilidade moderna sobre esse gênero:
As fadas antigas, vossas precursoras, parecem criaturas frívolas comparadas a vós. Suas ocupações eram baixas e pueris, e só se divertiam as criadas e as amas. Todo o seu serviço consistia em varrer a casa, cuidar do fogão, lavar a roupa, embalar e adormecer as crianças, ordenhar as vacas, bater a manteiga e mil outras ninharias dessa ordem (...). Eis porque tudo o que nos resta hoje de seus feitos e gestos são apenas contos de fadas. (...) Elas não passavam de mendigas. (...) Mas vós, senhoras (as fadas modernas), vós seguistes por outro caminho. Só vós ocupais com coisas importantes. Dentre elas, as menos importantes são dar espírito àqueles que não o têm, beleza aos feios, eloqüência aos ignorantes e riqueza aos pobres. (ARIÈS, ibid., p. 120)
Nessa época não havia uma diferenciação entre brinquedos de meninos e de meninas. Luiz XIII brincava com bonecas e de fazer comidinhas com utensílios em miniatura, de prata, chumbo, cobre ou barro verde. Héroard constata que o delfim:
(...) brinca com uma pequena marmita de cobre que a ama lhe dera, quer cozinhar uma sopa com carneiro, toucinho e couves; coloca-se aos pés do seu leito. [...] [Em outro dia] mostrou desejo de preparar uma papa no seu tachinho de prata. Tínhamos dificuldade em obter leite: pede-me que envie alguém à cozinha, onde diz haver grande quantidade. Pergunto-lhe de quanto precisa. “Six plene chaudiere” [seis tachos cheios]. (MANSON, 2002, p. 129)
Cabe destacar que cada contexto social produz uma cultura, a partir da qual emergem as concepções de infância, sua educação e a forma de brincar. Acompanhando os estudos históricos, observa-se que a diferença de gênero no lúdico é uma construção cultural. Assim, em torno dos anos 1600,
(...) a boneca não se destinava apenas às menina. Os meninos também brincavam com elas. Dentro dos limites da primeira infância, a discriminação moderna entre meninos e meninas era menos nítida: ambos os sexos usavam o mesmo traje, o mesmo vestido. (ARIÈS, ibid., pp. 91-92)
Entretanto, em torno dos sete anos, acontecia uma mudança na vida de uma criança do passado, particularmente para o menino. Esse abandonava o vestido comprido usado na infância e passava a usar calças curtas e um gibão; era proibido de brincar com bonecas e de carreteiro. Além disso, sua educação ficava sob a responsabilidade dos adultos do sexo masculino. O menino nobre aprendia a atirar, a caçar, a montar a cavalo e a jogar jogos de azar. As meninas, em contrapartida, continuaram, por muito tempo, a ser tratadas como pequenas mulheres. As diferenças de gênero, tênues durante a primeira infância, tornaram-se mais aprofundadas. Para Ariès (1981.p.81):
O sentimento da infância beneficiou primeiro meninos, enquanto as meninas persistiram mais tempo no modo de vida tradicional que as confundia com os adultos: seremos levados a observar mais uma vez esse atraso das mulheres em adotar as forma visíveis da civilização moderna, essencialmente masculina.
Como já foi demonstrado, nas sociedades tradicionais, adultos e crianças compartilhavam dos mesmos divertimentos, jogos e brincadeiras. A partir do século XIV, moralistas e pregadores, por um lado, condenavam toda prática de entretenimento, ou seja, a dança, a música, o teatro, os jogos de azar; a população, por outro lado, era indiferente a essas críticas. Entretanto, entre os séculos XVII e XVIII, surge uma atitude moderna em relação ao jogos, às brincadeiras e às crianças. Nesse novo sentimento, preocupa-se em preservar o aspecto moral e psicológico da infância. Proíbem-se os jogos considerados “maus”, como os de azar, por exemplo, e recomendam-se aqueles considerados “bons”, isto é, em que o corpo está em movimento. Enfim, distingue-se o universo da criança e o do adulto.
Para Kishimoto (1999), os jogos tradicionais infantis fazem parte da cultura popular, expressam a produção espiritual de um povo em uma determinada época histórica, são transmitidos, sobretudo, pela oralidade e sempre estão em transformação, incorporando as criações anônimas de geração para geração. Ligados ao folclore, possuem as características de anonimato, tradicionalismo, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade. As brincadeiras tradicionais, enquanto manifestações espontâneas da cultura popular, possuem a função de perpetuar a cultura infantil e desenvolver formas de convivência social. Em seu estudo, demonstra a imagem da criança e os jogos tradicionais no Brasil. Indígenas, portugueses e africanos, três raça e culturas diferentes, determinaram os jogos das crianças brasileiras.
Imagens do corpo: reflexões sobre as acepções corporais construídas pelas sociedades ocidentais
Thiago Pelegrini
Resumo O estereótipo do corpo perfeito vem acarretando distúrbios psicofísicos nas populações contemporâneas. Tais sintomas têm sido detectados por especialistas a partir do computo do número de cirurgias plásticas realizadas com fins estéticos e do crescimento de enfermidades ligadas à auto-imagem como a anorexia e o narcisismo. Assim, este artigo propõe uma reflexão crítica acerca da necessidade de modificação da acepção de corpo contemporânea que tem sido massificada entre os segmentos sociais. Para tanto, procede à revisão bibliográfica acerca das concepções de corpo edificadas historicamente pela civilização ocidental que parecem corroborar os modelos estéticos atuais. Ante o exposto constata-se a necessidade de desvelar os mecanismos de construção dos modelos estéticos referidos e os interesses mercadológicos envolvidos na sua determinação e propagação. Palavras-chave: educação do corpo; ética; estereótipos corporais. |
O corpo coberto na Idade Média e a padronização dos movimentos da modernidade
Na Idade Média o corpo serviu, mais uma vez, como instrumento de consolidação das relações sociais. A característica essencialmente agrária da sociedade feudal, justificava o poder da presença corporal sobre a vida cotidiana, características físicas como altura, cor de pele e peso corporal, associadas ao vínculo que o indivíduo mantinha com a terra eram determinantes na distribuição das funções sociais. Os homens eram submetidos a ordens rígidas e ao sistema de castas que impossibilitava qualquer tipo de ascensão social. O homem medieval era extremamente contido, seus impulsos individuais eram proibidos. A presença da instituição religiosa restringia qualquer manifestação mais criativa. A moral cristã tolhia qualquer tipo de prática corporal que visasse o culto do corpo. A concepção dualística do homem foi retomada e reacendeu a visão do corpo corrupto e pecaminoso, considerada empecilho ao desenvolvimento da alma. Nas artes plásticas, como destacou Gombrich (1999), ficava evidente a projeção do “corpo coberto”, aparentemente exaurido de preocupações estéticas.
No entanto, o crescimento e aperfeiçoamento da produção agrícola e dos meios de transporte da sociedade feudal e o conseguinte acúmulo do excedente produzido geraram a necessidade de ampliação do comércio entre os feudos, dando origem a importantes feiras ou centros comerciais que mais tarde originaram as cidades medievais. Essas modificações provocadas pelo acréscimo da produtividade agrícola aliado à expansão comercial, promoveram algumas das condições necessárias para o desenvolvimento e instalação da indústria moderna. Esse fenômeno somado a outras modificações sociais, segundo o historiador Georges Duby (1992), marcou uma série de transformações que desembocaram no surgimento do sistema capitalista, os costumes e tradições foram substituídos pelo mercado e pela busca de lucros monetários, sobretudo no que tange a determinação da divisão e execução das tarefas produtivas e da disponibilização das oportunidades de trabalho.
Na Renascença, as ações humanas passaram a ser guiadas pelo método científico. O avanço técnico - cientifico produziu nos indivíduos do período moderno um apreço sobre o uso da razão científica como única forma de conhecimento. O corpo, agora sob um olhar “cientificista”, serviu de objeto de estudos e experiências. A disciplina e o controle corporais eram preceitos básicos. Todas as atividades físicas eram prescritas por um sistema de regras rígidas, visando à saúde corpórea.
A obtenção do corpo sadio circundava a dominação do indivíduo: a prática física domava a vontade, contribuindo para tornar o praticante subserviente ao Estado. O dualismo corpo - alma norteava a concepção corporal do período, demonstrando a influência das concepções da antiguidade clássica. Gallo explicita que segundo o filósofo moderno Descartes o homem constituía-se de duas substâncias: “uma pensante, a alma, razão de sua existência e a outra material o corpo”, visto como algo completamente distinto da alma (2000, p. 64).
A forma de produção do sistema capitalista, a partir do século XVII, causou uma mudança drástica nas relações trabalhistas. O trabalho assumiu o valor de mercadoria, perdendo a importância qualitativa, se preconizava a quantidade. Essa relação se mostrou ainda mais óbvia, com o início da revolução industrial: a divisão técnica do trabalho acabou por cancelar o vínculo afetivo entre operário e produto. A “força muscular do trabalhador sua energia e resistência passaram a ser objeto de exploração capitalista”, reduzindo o trabalho a simples ação fisiológica, desprovida de criatividade (Gonçalves, 1994).
Na lógica de produção capitalista o corpo mostrou-se tanto oprimido, quanto manipulável. Era percebido como uma “máquina” de acúmulo de capital. Deste modo, os movimentos corporais passaram a ser regidos por uma nova forma de poder: o poder disciplinar. Esta manifestação de poder se instalou nas principais instituições sociais. Como bem o lembra Gonçalves, M. Foucault, em sua obra, Microfísica do Poder, apontou o seu mecanismo de atuação:
Foucault mostrou como essa forma específica de poder, que surgiu a partir do século XVII, agia nas mais diversas instituições sociais – escolas, hospitais, prisões, fábricas, quartéis..., com o objetivo de submeter o corpo, de exercer um controle sobre ele, atuando de forma coercitiva sobre o espaço, o tempo, e a articulação dos movimentos corporais (GONÇALVES, 1994, p.24).
Os homens e seus corpos eram vistos apenas na perspectiva do ganho econômico. O poder disciplinar, ao mesmo tempo em que promovia a utilização máxima da força de trabalho, domesticava e impossibilitava a resistência político-social do trabalhador.
Referências
DUBY, Georges. A Idade Média na França. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
ECO, Humberto. Arte e Beleza na Estética na Estética Medieval. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1993.
HEROLD, Carlos Junior. Do corpo treinado pela necessidade à necessidade do treino: uma análise histórica do corpo no processo de construção da antiga sociedade grega. Revista da Educação Física. Maringá, v.8, 1997.